Os Melhores Discos de 2008 - Público

MÚSICA/POP
Escolhas de João Bonifácio, Luís Maio, Mário Lopes, Nuno Pacheco, Pedro Rios e Vítor Belanciano

1. Vampire Weekend
Vampire Weekend
XL Recordings, distri. Popstock

Não são os primeiros a atingir um desígnio superior pulverizando as partes no todo, fazendo nascer um outro e admirável organismo. Reconhecemos neste álbum de estreia todos os elementos que o constituem. Mas surpreendemo-nos pelas disposições possíveis de concretizar a partir de materiais já explorados. E pela determinação contagiante que libertam, apostando numa sonoridade melódica. A voz é maleável, a secção rítmica balança vigorosamente, as orquestrações são certeiras, as guitarras provocam movimentos em cascata e daqui resultam canções vibrantes.
Provenientes de Nova Iorque, os Vampire Weekend simbolizaram o ambiente criativo de Brooklyn onde, em 2008, germinou parte considerável da produção mais entusiasmante do ano (Dirty Projectors, High Places, Yeasayer, MGMT, TV On The Radio, Deerhunter, Gang Gang Dance, Santogold). Ao mesmo tempo que personifi caram a descoberta das sonoridades africanas pelas novas gerações dos cenários pop mais alternativos. Refrescante, desinibido e charmoso, onze canções em estado de graça. V. B.

2. Gang Gang Dance
Saint Dymphna
Warp, distri. Symbiose

De figuras de culto "underground" a "uma das bandas do momento" ("New York Times"), tiveram em 2008 o seu ano de maior exposição. A culpa foi do quarto álbum, em que há percussão africana, grime, pop sem vergonha à Madonna ("House Jam" é uma das canções do ano), pós-punk e outros territórios díspares. É, ao mesmo tempo, filho do seu tempo e totalmente único. P. R.

3. Portishead
Third
Island, distri. Universal

O mais fácil, des anos depois, seria voltarem na versão charmosa e nocturna que lhes granjeou sucesso. Mas não. Puseram-se em causa num disco abrasivo. As canções mudam de direcção bruscamente, a melancolia existe, mas não conforta, perturba. A voz de Gibbons mantém o poder de sedução, mas está agora rodeada por subúrbios onde o horror irrompe. Ou campos bucólicos onde a desolação impera. O que se mantém é a gravidade emocional, a justeza da intensidade dramática, a vontade de atribuir o nome exacto às coisas, porque não pode ser de outra forma. V. B.

4. High Places
High Places
Thrill Jockey, distri. Mbari

Em Fevereiro lançaram "03/07 09/07", mas foi com este segundo álbum que a dupla Rob Barber e Mary Pearson nos conquistou. São uma espécie de Young Marble Giants lá de Brooklyn. Tal como o mítico grupo do pós-punk britânico, tecem canções artesanais a partir de estruturas ínfimas, feitas de micro-percussões, ligeiras alusões folk, sons da natureza e reverberações que impelem a um torpor gracioso. Música com algo de encantatório e de imaginário infantil. V. B.

5. Buraka Som Sistema
Black Diamond
Enchufada, distri. Sony-BMG

Os três últimos anos têm sido intensos para os portugueses: têm sido anos de consagração. 2008 foi mais um, com actuações pelo mundo e chamadas de atenção na imprensa internacional. "Black Diamond" foi o pretexto. Um disco marcante por razões artísticas (sincretismo dançante de várias origens), de mercado (desvendado que a via internacional é possível) e sociais (mostrando que todas as linguagens e experiências são importantes e enriquecedoras para a modernidade portuguesa). V. B.

6. Tiago Guillul
IV
Flor Caveira

Logo a abrir o disco Tiago Guillul canta "Que se dane o rock'n'roll/ isto é folclore", como quem avisa que aqui se vai a todo lado: à soul, ao rock, ao reggae, ao punk, ao folclore. E no fim sai-se com três mãos cheias de grandes canções pop inclassifi cáveis e tem-se um dos discos pop portugueses mais importante dos últimos anos. J. B.

7. Fujiya & Miyagi
Lightbulbs
Groneland; distri. Última

Conhecemo-los com "Transparent Things" (2006) e não houve como escapar ao feitiço: a precisão do kraut e a dinâmica de electrónica "vintage", o calor orgânico do rock'n'roll e hipnose para pista de dança. "Lightbulbs", deste ano, nem foi passo em frente. Mas perante o poder contagiante da música tal não seria necessário. É o aprimorar da fórmula, acolhendo bem vindos desvios italo-funk, pitadas de experimentalismo sónico e mantendo intacta a elegância desta locomotiva "motorika", estilizada para o século XXI. M. L.

8. Buika
Niña de Fuego
Warner, distri. Farol

Terceiro disco da maiorquina Concha Buika, filha de imigrantes da Guiné Equatorial, expõe em todos os seus cambiantes a arte vocal desta extraordinária cantora e a forma como ela absorveu o "duende" flamenco. São coplas, bulerías, rumbas ou rancheras mescladas habilmente com influências de jazz, blues e sons caribenhos. Ouvi-la, em disco ou ao vivo, é uma experiência arrasadora. N. P.

9. Cass McCombs
Dropping The Writ
Domino; distri. Edel

O americano parece destinado a ser nome segredado entre convertidos. "Dropping The Writ", o seu terceiro álbum e um dos primeiros a chegar às lojas portuguesas em 2008, não alterou essa existência insular. De um lirismo surpreendente, chamemos-lhe "storytelling" surrealista. Com uma capacidade de conjugar classicismo pop, etéreos desvios folk e psicadelismo em formato canção, McCombs é um segredo fascinante. Guardemo-lo fielmente. M. L.

10. Camané
Sempre de Mim
EMI

É o disco mais negro de Camané que, em desolação, canta, fado a fado, a solidão. Em 16 temas não há um que acabe em "fortíssimo" e tudo aqui é queda: "Lembra-te sempre de mim", "Tudo isso", "Bicho de conta" são tremendos fados, mas "Te juro", "Sei de um rio" e, mais que tudo, "Ser Aquele", "Este silêncio" e "As palavras" colocam o fadista no panteão dos grandes criadores. Obra-prima. J. B.

11. MGMT
Oracular Spectacular
Columbia; distri. Sony BMG

Tivessem editado apenas o single "Time to pretend" e, só por "aquela" linha de sintetizador, os MGMT já teriam enriquecido a música urbana. Mais que isso, o duo representa na perfeição o que foi em 2008 o centro criativo de Brooklyn: música que cruza referências sem pudor para chegar a esse bem maior a que chamamos canção. Aqui ouve-se a euforia cocainada dos anos 1980, o psicadelismo cósmico da década de 1960, as fantasias pop de uns Flaming Lips e o glam de Bowie. Ouve-se uma colecção de pérolas pop, ponto final. M.L.

12. TV On The Radio
Dear Science
4 AD, distri. PopStock

O terceiro álbum tinha que ser diferente dos anteriores. Em particular, o segundo, "Return To Cookie Mountain", era assombroso, canções desamparadas mas majestáticas, um neo-rock sôfrego. Este possui traços desse universo, mas é mais virado para o exterior. As canções não perderam elaboração, mas estão mais imediatas. A estrutura é mais visível, as melodias mais polidas e as influências alargaramse rock, soul, funk, electrónicas ou jazz embora a paixão e o compromisso sejam os mesmos. Uma das bandas mais entusiasmantes da actualidade. V.B.

13. Girl Talk
Feed The Animals
Illegal Art, distri. Flur

Foi a confirmação do talento de Gregg Gillis, depois de "Night Ripper" ter feito furor no meio "indie". A sua música é produzida a partir de centenas de pedaços de canções alheias, de Cat Stevens aos Metallica, passando pelas estrelas do hip-hop actual. Não lhe chamem DJ, que ele não gosta e com razão: o que Gillis faz são canções a partir de uma manta de retalhos. Uma das melhores homenagens à música popular do ano. P. R.

14. Ney Matogrosso
Inclassificáveis
EMI

Aos 67 anos, Ney canta a corrupção, o amor, o sexo, a miséria, a violência, a marginalidade, a velhice, a mestiçagem ( "Inclassificáveis", o título, vem daí) com espantosa intensidade. A banda, dada ao rock, encaixa na perfeição no projecto. E se ele volta a Cazuza, Caetano e Gil, há no disco excelentes versões e sufi cientes inéditos para acentuar a sua novidade. Um disco luminosamente pop. N.P.

15. B Fachada
Viola Braguesa
Flor Caveira

"Viola Braguesa" começa com "Tradição" e não demora a dizer ao que vem: "Perguntei ao sangue a minha tradição/ E o sangue respondeu-me esta canção". Ao quarto disco, B Fachada descobre a sua voz. Revelase: a tradição é o que resgata da rua (ou entre quatro paredes) para traduzir em voz e viola braguesa. Fá-lo com amor e humor, sarcasmo e doçura. A partir de agora, B Fachada é "tradição" que não poderemos ignorar. M.L.

16. Why?
Alopecia
Tomlab; distri. Flur

Cada canção de "Alopecia" é sufocante mas caminha em direcção a um precário altar melódico que, camada após camada, revela uma obsessiva construção: campainhas, pianos, harmonias vocais, órgãos estranhos, flautas, xilofones, riffs derivados do blues acústico, metais, tudo isto se une numa pop que subverte os cânones, tão melodicamente retorcida quanto harmonicamente irrepreensível, tão negra quanto solar. J. B.

17. Beach House
Devotion
Carpark; distri. Nuevos Media

Um simples órgão e uma guitarra eléctrica desenham minúsculas harmonias. Por cima delas Victoria Legrand canta lentas e tristes melodias. Há a ocasional flauta, uma pandeireta, pouco mais, em canções de construção minimal, românticas e etéreas - aqui com um valsear outonal, ali possuídas por uma quase-alegria, acolá outonais, mas sempre versando o amor com uma esfíngica beleza. É o disco mais melancólico de 2008 e um dos mais bonitos. J. B.

18. Earth
The Bees Made Honey In The Lion's Skull
Southern Lord, distri. Sabotage

Os Earth encontraram na tradição americana guardada em bandas sonoras como "Dead Man", de Neil Young, uma frutuosa segunda via para a sua música hipnótica e repe. Neste disco, com convidados como Bill Frisell, elevam essa estética a outros territórios, por vezes psicadélicos e "jazzísticos", sempre sem descurar a sacrossanta hipnose que fez deles referências de muito do rock actual. P. R.

19. Fleet Foxes
Fleet Foxes
Bella Union, distri. PopStock

Na categoria de "melhor álbum conservador do ano" não lhes faltou concorrência, mas a estreia dos americanos merece destaque. Súmula de folk e rock que os seus pais, avós e, provavelmente, bisavós ouviam, o colectivo de Seattle parece vir de outro planeta, de uma floresta encantada ou de uma congregação religiosa isolada do mundo. Um som tão barroco quanto bucólico, guiada por guitarras acústicas, pianos, blocos harmónicos e coros - evocadores, em partes iguais - de cânticos célticos, gregorianos, profundamente americanos. V.B.

20. Dirty Projectors
Rise Above
Rough Trade, distri. PopStock

É um álbum que reconstrói, de memória, "Damaged", de 1981, dos Black Flag. É um disco re-imaginado pela mente de David Longstreth, o homem por trás dos Projectors. Disco de canções alienígenas, de harmonias anómalas, de irritações espontâneas de guitarras, de vocalizações estranhas, de uma amálgama sonora excêntrica, onde as paredes estão sempre seguras. Disco de canções distorcidas, como se o grupo preparasse o acesso à norma, e, depois, lhe desferisse golpes. E no fim, daqui resultasse um sonho fantástico de canções mal resolvidas, tonificante reestruturação rock, folk, jazz e sabe-se lá que mais. V.B.

21. Scout Niblett
This Fool Can Die Now
Too Pure; distri. Popstock

Tal como outros discos de Niblett, "This Fool Can Die Now" varia entre baladas acústicas e despidas e a violência da guitarra eléctrica, e finca-se no elemento comum a todas as canções: a voz, uma voz que oscila entre registos infantis e fantasmagóricos, mas sempre, sempre de uma intensidade rara. Não poucas vezes Scout deixa-nos, sem respiração nos cimos de um refrão (sempre dorido), por vezes esse efeito de "suspensão" é ampliado por arranjos de cordas preciosos.. Raros discos conseguem raiar de tão perto a ideia de desespero e sair por cima da beleza. J. B.

22. Sonic Youth
Andre Sider Af Sonic Youth
SYR, distri. Sabotage

Os Sonic Youth trilham dois percursos em simultâneo: o dos discos mais conhecidos e um outro, subterrâneo e experimental, em que cabe este álbum, gravado ao vivo com Merzbow e o saxofonista Mats Gustafsson. Nele, o rock dissonante encontra o ruído digital do primeiro e o jazz mais livre do segundo numa única peça brilhante e a mais extrema da discografia dos Youth, a quem a idade parece não pesar. P.R.

23. Santogold
Santogold
Lizard King Records, distri. Edel

Caleidoscópio do mundo urbano de hoje, onde as divisões de tipologias há muito deixaram de fazer sentido, no caldeirão sónico de Santogold cada canção é um jogo de figuras que acaba por formar um todo homogéneo, intersectando-se de maneira lúdica. Podemos falar da energia vocal, da flexibilidade de dinâmicas rítmicas, do agregado sonoro que se vai desmultiplicando de canção para canção - do rock ruidoso ao balanço físico do dancehall, dos materiais do dub à pop electrónica -, num jogo de mudanças de intensidade onde existe tensão mas também celebração. V.B.

24. Robert Forster
The Evangelist
Taition; distri. Ananana

Durante bem mais de duas décadas Robert Forster partilhou os Go-Betweens com Grant McLennan. Das dez canções que compõem o disco, três ainda têm o dedo de McLennan (que melhor maneira de o homenagear?), e é o fantasma dele que inspira as restantes canções de um disco que encontra Forster em estado máximo de inspiração, sem afectações de poseur na voz, entregue apenas a guitarras acústicas, pianos e cordas. "And he knew more than I knew/ and he hated/ what I hated too: this world", canta Forster no final de um disco tremendamente bonito. J. B.

25. The Matthew Herbert Big Band
There's Me And There's You
!K7, distri. Symbiose

O inglês é um agitador. Mas não confunde forma com substância. Voltou a ser assim no segundo álbum da Matthew Herbert Big Band, onde reuniu uma vintena de músicos de jazz e a cantora Eska Mtsungwazi, operando transformações plásticas, apostando na imponderabilidade, conjugando sensibilidade pop, ideias de laboratório e saber erudito, numa espécie de cabaret futurista, do qual resultaram em canções de protesto, mas de balanço físico insinuante, com espaço para o glamour e para a elegância que se espera de um colectivo de músicos de jazz. V.B.

26. Wooden Ships
Vol.1
Holy Mountain; distri. Sabotage

São perigosa música de dança - pegam nos padrões hipnóticos de uns Neu! e lançam-nos até à estratosfera. São rock'n'roll regenerador - música feita de riffs inebriantes e de eléctrica irrequietude. Banda de São Francisco, inventam o psicadelismo de uns anos 1960 que nunca existiram - porque não estiveram lá, porque estamos em 2008. "Vol. 1", álbum colectânea de singles e EPs, é um manifesto que dispensa palavras. Só existe este som, que não cessa de ecoar nos ouvidos e de ressoar no esqueleto. M. L.

27. Vetiver
Thing Of The Past
Gnomonsong; distri. Flur

Álbuns de versões nunca trouxeram nada de relevante ao mundo. Eis então uma excepção, o segundo álbum dos Vetiver de Andy Cabic - um milagre. O seu coração é o sereno folk-rock californiano da década de 1970 e o milagre nasce da forma como estas canções, de nomes conhecidos como Loudon Wainwright III e de gente que nunca ouvíramos antes, como Biff Rose, chegam até nós - sentimos que pertencem por inteiro aos Vetiver. O segredo? um cantautor que compreende o poder de uma canção, que sabe como este reside tanto tanto na sua criação como na nova vida que lhe confere. M.L.

28. Glass Candy
B/E/A/T/B/O/X
Italians Do It Better, distri. Sabotage

O segundo álbum da dupla Glass Candy repousa sobre ideias análogas às dos companheiros de editora Chromatics, ou seja, cenários electrónicos expansivos sobre os quais desenvolvem o seu talento de ourives, acrescentando-lhes motivos "disco", ritmos que parecem amortecidos e fantasias com sintetizadores do antigamente lá dentro. Isto enquanto a cantora Ida revela o seu timbre sensual etéreo. São canções minimalistas, quase oníricas na maneira como integram diferentes temperaturas, do glaciar ao mais cálido, canalizando-as para criar um espaço de sensualidade. V.B.

29. The Last Shadow Puppets
The Age Of The Understatement
Domino, distri. Edel

O vocalista dos Arctic Monkeys, Alex Turner, é um dos mais fascinantes criadores do espaço pop contemporâneo. Este ano aliou-se a Miles Kane (The Rascals), para um disco pop de feição diferente dos Monkeys, evocando a frescura de alguns quadrantes pop dos anos 60 - Scott Walker, David Bowie -, alguma canção ligeira francesa ou bandas-sonoras de policiais. É um disco onde a dupla ergue canções pop de recorte inocente, emocionalmente delicadas, servidas por arranjos de cordas que lhes transmitem sumptuosidade. São canções que navegam entre o esqueleto acústico e o impacto cénico da pop barroca. V.B.

30. Jamie Lidell
Jim
Warp, distri. Symbiose

Até aqui, Jamie Lidell queria ser cantor soul. Com "Jim" já não quer. É mesmo. É por isso uma obra que transpira prazer. Não é, evidentemente, um álbum tão ousado como "Multiply". Mas é também mais livre. É o disco de alguém que já não está preocupado com fintar influências. Assume-as, não para se fazer passar por outros, mas para transmitir o prazer que lhe vai na alma em ser ele próprio. V.B.





MÚSICA/JAZZ
Escolhas de Nuno Catarino, Paulo Barbosa e Rodrigo Amado

1. Anthony Braxton /Milford Graves /William Parker
Beyond Quantum
Tzadik, dist. Flur

Já próximo do final do ano surge, pela mão de John Zorn (produtor) e da sua label Tzadik, esta extraordinária sessão gravada por três grandes mestres da improvisação. Claramente distinto da produção habitual de Braxton, "Beyond Quantum" afirma-se hoje como paradigma do jazz moderno. Três músicos com ilimitados recursos técnicos comunicam intensa e telepaticamente, fazendo convergir as linguagens que fizeram a história do jazz no século XX e transformando-as em algo maior, com uma identidade tão forte que nos faz esquecer todas essas referências. A abstracção cubista do mestre Braxton, em saxofone, é transformada em matéria e emoção nas mãos orgânicas de Graves (bateria) e Parker (contrabaixo) que a trabalham, cada um, de forma distinta: ao baterista cabe o detalhe, enquadrado num fluxo rítmico inabalável, enquanto Parker fica responsável pela pulsação rítmica, a respiração da música. Num encontro em que Braxton e Parker se encontram pela primeira vez com Milford Graves, um dos grandes ritmatistas vivos, é evocada toda a magia da "great black music" para um registo histórico e intemporal. R. A.

2. Charles Lloyd Quartet
Rabo de Nube
ECM, dist. Dargil

Aos primeiros compassos de "Prometheus", o primeiro tema, percebemos que algo está diferente em Charles Lloyd. Apesar de "Sangam" possuir já uma energia vital que renovou o trabalho do saxofonista, aqui essa renovação foi ainda mais longe. E isso acontece sem que o som perca qualquer da sua acessibilidade ou beleza. Com Reuben Rogers no contrabaixo, Eric Harland na bateria e Jason Moran no piano, a música de Charles Lloyd soa vibrante, tão alto como nas nuvens. R.A.

3. Bill Dixon
With Exploding Star Orchestra
Thrill Jockey, dist. Mbari

Admirador do lendário trompetista Bill Dixon, Rob Mazurek, talentoso músico de Chicago, também ele trompetista, cujos conceitos se desenvolvem nas margens do jazz, do rock e da música concreta, aproveitou um encontro ocasional no Guelph Jazz Festival e convidou Dixon para gravar com a sua Exploding Star Orchestra -notável formação que integra alguns dos melhores improvisadores de Chicago. No centro da ordem e do caos ergue-se o trompete de Dixon, timbre mercurial, inspiração criativa absoluta, verdadeiro sol. R.A.

4. Vandermark 5
Beat Reader
Atavistic, dist. Sabotage

Em "Beat Reader", Ken Vandermark consegue novamente erguer-se acima das altíssimas expectativas que rodeiam cada uma das suas gravações. Temas complexos, arranjos precisos, excertos de energia bop, solos descontraídos mas intensos, inúmeros trechos compostos a funcionar como âncora das improvisações e, sempre, a sensação de que estamos a ouvir a música mais actual do momento. R.A.

5. Esbjorn Svensson Trio
Leucocyte
Act, dist. Dargil

Ritmos pesados e marcados, contaminação electrónica e uma multitude de efeitos de pós-produção. Gravado em jam sessions realizadas em estúdio durante a digressão australiana da banda, capta o trio em processo de criação, numa atmosfera de liberdade que contrasta com os seus anteriores álbuns, mais estruturados, e aponta algumas das direcções que poderiam vir a tomar. Groove crepuscular no último disco do trio, estrelas jazz cuja carreira foi interrompida com a morte de Esbjorn Svensson. R.A.

6. Evan Parker
Boustrophedon
ECM, dist. Dargil

Evan Parker, saxofonista excelentíssimo e um dos maiores improvisadores de sempre, continua no vortex do jazz internacional. Gravado com a mesma formação de "Composition/ Improvisation1, 2&3" de Roscoe Mitchell, a Transatlantic Art Ensemble, "Boustrophedon" equilibra de forma notável composição e improvisação em oito movimentos impressionistas que desafiam categorizações. 14 músicos às voltas com as complexidades e os significados ocultos do tempo e do espaço. R.A.

7. Kurt Rosenwinkel
The Remedy, Live at the Village Vanguard
ArtistShare

É comum referir a comunicação telepática que reina entre o guitarrista Kurt Rosenwinkel e o saxofonista Mark Turner. Mas a verdade é que o grau de empatia entre os dois justifica comparações com outras duplas que, pelo mesmo motivo, cravaram bem fundo o seu nome no jazz. Em "The Remedy", ao vivo e acompanhados por uma secção rítmica de elevado calibre, retrato de uma das grandes formações jazz do momento. Paulo Barbosa

8. António Pinho Vargas
Solo
David Ferreira Inv. Editoriais, dist. EMI

Magnífico regresso. Pegando nas suas velhas composições, Pinho Vargas aventura-se em regravações em formato piano solo. O que há de novo? À partida, nada. E, na verdade, tudo. Os velhos temas transfiguram-se, concentram-se na essência da melodia e as improvisações (por vezes contidas, outras vezes alongadas) são veículos para uma rara luminosidade. Nuno Catarino

9. William Parker
Double Sunrise Over Neptune
AUM Fidelity, dist. Trem Azul

Extraordinária a capacidade do contrabaixista William Parker para se desdobrar em múltiplos projectos, todos eles com relevância assinalável. Ao vivo no Vision Festival de Nova Iorque, Parker conduz um ensemble de 15 músicos ao longo de quatro andamentos que exploram a espiritualidade e transcendência física legadas por Sun Ra. Jazz Cósmico, num caleidoscópio multicultural que o eleva a uma nova dimensão. R.A.

10. Brad Mehldau Trio
Live
Nonesuch, dist. Warner / Farol

Brad Mehldau é, a par de Keith Jarrett, o mais venerado pianista da actualidade. Neste regresso, em forma, do seu celebrado trio com o contrabaixista Larry Grenadier e o baterista Jeff Ballard, cada tema representa um conjunto de possibilidades para a improvisação, estabelecendo vias que a criatividade e o poder de comunicação destes músicos desenvolve de forma brilhante. P. B.

11. James Carter
Present Tense
Emarcy, dist. Universal)

Ancorado na tradição, James Carter não inventa (e isso é bom). Ao longo dos dez temas explora uma imensa diversidade estilística, sempre temperada com extremo bom gosto. Hardbop de alta intensidade, bossanova, standards variados e uma grande variedade de sopros - flauta, clarinete baixo e saxofones soprano, tenor e barítono - são os veículos para Carter reafirmar as suas credenciais como um dos mais interessantes saxofonistas da actualidade. N. C.

12. Paulo Curado
The Bird, The Breeze and Mr Filiano
Clean Feed, dist. Trem Azul

Improvisador notável e excelente instrumentista, Paulo Curado lidera um trio onde se destaca o contrabaixista americano Ken Filiano. Com Bruno Pedroso no lugar da bateria, "The Bird, The Breeze and Mr. Filiano" conjuga excelência instrumental, interacção musical profunda e uma dinâmica de grupo invejável, características fundamentais quando estão em causa discursos improvisados. Venham mais destes.

13. Maria João / Mário Laginha
Chocolate
Universal, dist. Universal

A expressão "simple is better" nunca fez tanto sentido. Com um som orgânico, uma integração perfeita dos instrumentos com a voz, e a participação do som mercurial do saxofone de Julian Arguelles, João e Laginha exploram uma simplicidade e contenção que lhes era desconhecida. E fazendo adivinhar para a sua música um futuro mais jazz e "bluesy" profundamente contaminado por uma sensibilidade pop. R. A.

14. Mauger
The Beautiful Enabler
Clean Feed, dist. Trem Azul

Mauger é Rudresh Mahanthappa no saxofone alto, Mark Dresser no contrabaixo e Gerry Hemingway na bateria. Três extraordinários nova-iorquinos que se juntam pela primeira vez em estúdio. É uma música verdadeiramente colectiva, por vezes exigente, mas sempre intensa e de grande expressividade. Uma revelação. R. A.

15. Atomic / Schooldays
Distil
Okka Disk

Sem distribuição oficial no nosso país, "Distil" regista mais um capítulo brilhante no historial de colaborações entre músicos nórdicos e norte-americanos. Seguindo a estética habitual de "free-jazz meets hard bop", associada a um rigor orquestral e longas improvisações incendiárias, reúne músicos das formações Atomic e Schooldays - Ken Vandermark, Fredrik Ljungkvist, Magnus Broo, Jeb Bishop, Havard Wiik, Kjell Nordeson, Ingebrigt Haker Flaten e Paal Nilssen-Love. R. A.



MÚSICA/CLÁSSICA
Escolhas de Cristina Fernandes, Pedro Boléo e Rui Pereira

1 . Bach e Gubaidulina
Concertos para violino Anne-Sophie Mutter Valery Gergiev
Solistas de Trondheim
Orquestra Sinfónica de Londres
DG 477 7948

Pela revelação surpreendente de uma obra-prima terminada em 2007 de Sofi a Gubaidulina, uma das maiores compositoras da segunda metade do século XX e da actualidade, e pela intensidade dramática de todo o álbum que reúne igualmente concertos de Bach, Anne-Sophie Mutter alcança uma das melhores gravações dos últimos anos. Naquela que é a sua primeira gravação de peças de Bach para a Deutsche Grammophon, oferece uma leitura extremamente comovente de dois concertos para violino. Numa linha de forte expressividade e com uma escolha de tempos extremamente adequada, que nem está muito na moda, Mutter alcança uma versão de excelência. Mas a obra que mais destaque dá a este CD é In tempus praesens que a compositora russa Sofi a Gubaidulina escreveu para Anne-Sophie Mutter e que é aqui gravada em estreia mundial. As ligações de Gubaidulina à obra de Bach são recorrentes. Já no seu anterior Concerto para violino, ao qual chamou Off ertorium, utilizava o célebre tema da Oferenda Musical, o qual oferecia gradualmente como sacrifício.
A nova obra tem igualmente um forte sentido de espiritualidade, quer no deambular entre a luz e as trevas, quer em elementos de escrita que nos remetem para a retórica do Barroco. R. P.

2. Vivaldi
Les Quatre Saisons e autres concertos
Amandine Beyer (violino e direcção)
Gli Incogniti
Zig-Zag Territoires ZZT 080803

Parece impossível voltar a surpreender com "As Quatro Estações", mas basta ouvir alguns compassos do mais recente CD de Amandine Beyer para constatar o contrário. Um som magnífi co, pleno de luminosidade e cor, o pulsar dançante do ritmo e uma captação sonora que transporta os instrumentistas para dentro da nossa casa são armas sedução imediata.
O virtuosismo é entendido em função da retórica musical resultando numa sucessão de quadros sonoros de forte poder pictórico. C.F.

3. Firenze 1616
Le Poème Harmonique Vincent Dumestre (tiorba e direcção)
Alpha 120

O agrupamento Le Poème Harmonique dá-nos a conhecer uma original versão musical do mito de Orfeu -"L'Orfeo Dolente" (1616), de Domenico Belli (fl. 1627) -em paralelo com outras belas páginas de Claudio Saracini e de Giulio Caccini que focam diferentes aspectos da técnica do "recitar cantando" em Florença no século XVII. As vozes, a perfeita compreensão da retórica dos afectos, o sublinhar das mais ínfimas nuances ou dos rasgos mais veementes do discurso e a fluência da ornamentação encontram eco em intérpretes com plena consciência estilística. C.F.

4. Francisco Javier: A Rota do Oriente
Hespèrion XXI
La Capella Reial de Catalunya
Jordi Savall, direcção musical
AliaVox AVSA 9856

O CD enquanto objecto de desejo encontra nesta edição um dos seus melhores exemplos. Apresentado com um cuidado inigualável, este projecto começa por uma criteriosa escolha do programa: uma ilustração musical da vida de São Francisco Javier (1506-1553) numa empolgante viagem do berço, em Navarra, à tumba, às portas da China, que decorreu sob o desígnio da evangelização na Rota do Oriente.
Pela qualidade e variedade musical e a originalidade do projecto de investigação, este é um dos discos do ano. R. P.

5. Homage à Messiaen
Pierre-Laurent Aimard, piano
DG 4777452

Uma interpretação ímpar na sofisticação com que reveste algumas das mais belas obras de Messiaen, compositor nascido há 100 anos. Das edições que têm vindo a celebrar o centenário da efeméride, a presente homenagem de um dos seus discípulos, o pianista Pierre-Laurent Aimard, merece pleno destaque pela excelência interpretativa que alcança.
Em obras que todos estes intérpretes já gravaram, Aimard aventura-se na conquista plena de um dos mais ricos universos musicais feito de coloridos e tempos irreais. R.P.

6. Bartók - Concertos
Pierre-Laurent Aimard, Tamara Stefanovich, Gidon Kremer,Yuri Bashmet (solistas)
Orquestra Sinfónica de Londres
Orquestra Filarmónica de Berlim
Pierre Boulez (direcção)
Deutsche Grammophon DG 477 7440

Pierre Boulez concluiu com chave de ouro a sua integral das principais obras orquestrais de Bartók. Para a interpretação do Concerto para dois Pianos e Percussão, do Concerto para Violino e Orquestra nº 1 e do Concerto para Viola e Orquestra, associou-se a alguns solistas notáveis com pergaminhos na música do século XX. Os ritmos parecem esculpidos em cristal, a ampla paleta dinâmica é doseada ao milímetro e o rigor da direcção de Boulez confere à orquestra um tratamento camarístico, onde cada detalhe é cuidado com precisão de filigrana. C. F.

7. Con passione
Yossif Ivanov, violino
Itamar Golan, piano
Ambroisie AM136

Um álbum absolutamente fabuloso e raro, daqueles que fazem suster a respiração e nos deixam arrebatados e incrédulos. O jovem Yossif Ivanov confirma o lugar de destaque que merece enquanto virtuoso de raro calibre e intérprete de sonoridades calorosas e embriagantes, afirmando-se como o mais promissor da nova geração. Fica aqui apenas um resumo de algumas das obras com que se pode deliciar: a célebre "Tzigane" de Ravel, uma "Fantasia de Carmen" de Waxman, Valsas de Tchaikovski, um "Poema" de Chausson, caprichos de Kreisler e Sarasate e, ainda, uma homenagem ao estilo de Albéniz da autoria de Shchedrin. R. P.

8. Fiesta
Música de compositores sul-americanos
Simón Bolívar Youth Orchestra of Venezuela
Gustavo Dudamel, direcção
Deutsche Grammophon 477 7457

Gustavo Dudamel faz a festa com a sua orquestra de jovens que já conquistou o mundo conservador da música clássica ocidental. No seu terceiro disco para a prestigiada editora, a orquestra de jovens venezuelana apresenta aquele que é considerado o seu repertório de eleição: música sinfónica de compositores sul-americanos. Estão reunidos alguns dos temas mais conhecidos da América Latina, tais como "Sensemayá", de Silvestre Revueltas, o "Danzón n.º 2", de Arturo Marquez ou as "Danças da Suite Estancia", de Ginastera. Pela capacidade de elevar este repertório ao mais alto nível, este é um dos eleitos de 2008. R.P.

9. Schubert
Sehnsucht
Matthias Goerne (barítono)
Elisabeth Leonskaja (piano)
Matthias Goerne Schubert Edition, vol. 1
Harmonia Mundi HMC 901988

O 1º volume da "Matthias Goerne Schubert Edition" é revelador de um projecto de enorme seriedade que aposta na dimensão mais profunda da música e da interpretação e deixa de lado as fórmulas de sucesso fácil. Nos últimos anos a voz de Matthias Goerrne tem adquirido maior densidade e matizes mais escuros, que se adequam muito bem ao universo musical e poético retratado neste CD, onde está presente o lado mais sombrio e angustiante de Schubert. A voz e a interpretação revelam um cantor no auge da maturidade, que beneficia aqui da colaboração de grande pianista russa Elisabeth Leonskaja. C. F.

10. Forqueray
Pièces de Clavecin
Blandine Rannou (cravo)
Zig-Zag Territoires ZZT 080301.2 (2 CD)

Originalmente escritas para viola da gamba e baixo contínuo, as peças de Antoine Forqueray (1671-1745) registadas neste álbum duplo foram transcritas para cravo e publicadas em 1747 pelo seu filho Jean-Baptiste-Antoine Forqueray (1699-1782). Em paralelo com estas versões, Blandine Rannou faz a sua própria realização harmónica e ornamental da textura de algumas páginas directamente a partir do baixo cifrado e da linha melódica da viola da gamba originais, num exercício de empolgante criatividade. A intérprete aposta nos contrastes e nas emoções extremas, transmitindo uma energia avassaladora. C.F.

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